Estilhaços
Cenografia
Ano: 2008
Local: Coimbra, Portugal
Promotor: Cooperativa de Teatro Bonifrates
Encenação: João Maria André
Fotografia: Paulo Abrantes
A casa não é um lar
Eis-nos perante um primeiro paradoxo: desenhar uma casa, uma série de casas para alojar a violência é uma espécie de contra-arquitectura. A arquitectura é por definição uma disciplina positiva, na medida em que é na procura do lugar para o conforto do corpo, na incessante busca da possibilidade de desenhar um espaço que se converta num lar, que reside a essência do nosso trabalho. Um lugar para a violência não é o destino natural da casa enquanto matéria de projecto. Os arquitectos sempre desenham casas como lugares de conforto, esperando que a casa se transforme num lar. E esta é também a expectativa comum de quem ocupa uma casa. E a casa é ou deve ser, para quem a desenha, ou para quem a ocupa, o abrigo eterno, o lugar do amor, do absoluto conforto.
E o que a violência doméstica vem demonstrar é que o lugar do recolhimento, da protecção, do conforto absoluto, pode ser simultânea e paradoxalmente, o lugar da maior exposição, da maior fragilidade, que nenhuma imagem ilustra melhor do que a da criança confortável e frágil dormindo em seu berço.
Por isso a agressão a um ser em sua casa é uma tripla violência. Uma violência pelo que representa qualquer agressão, uma violência porque agride um ser no seu íntimo lugar, e porque inviabiliza a possibilidade da casa como lar, a liberdade como hipótese.
Uma estrutura mínima, uma caixa formada por três paredes contíguas e perpendiculares entre si, em rede metálica negra, representa a casa. Uma base horizontal também em rede situada na parede do fundo a meia altura, possibilita habitar este lugar – um banco, uma mesa, uma cama…
Ao tomar o lugar icónico da casa, uma casa frágil, o dispositivo cénico que repetidamente desenhámos, sem distinções formais, e independente do género e condição social ou económica da pessoa que o ocupa, corre deliberadamente o risco de tomar o todo pela parte e deve ser lido, assim o desejamos, como um sinal de alerta: a violência pode estar em todo o lado.
Corvo, 25 de Abril de 2009, trinta anos após a celebração em Portugal do início da liberdade colectiva, assim encerramos este texto deixando em aberto o seu segundo paradoxo.