Amores Efemeros
Ano: 2010
Local: Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra, Portugal
Cliente: A escola da noite
Encenação: Sofia Lobo
Em noite de amores efémeros, um arco de tempo e um arco espacial percorrem toda a cena. Ao crepúsculo da primeira cena num terraço de um prédio madrileno, sucede-se o nocturno do subsolo do túnel de uma estação de metro da segunda cena, terminando na aurora de uma rua sombria, em que uma prostituta percebe o trágico de um tempo e um lugar sem redenção. Propomos um dispositivo cénico que explicite a estratificação horizontal dos lugares de acção: dois estrados, duas plataformas – duas grids técnicas de iluminação de cena – sobrepostos e sobrelevados pairam sobre o palco, para significarem respectivamente terraço, plataforma de metro e rua.
Noite de amores efémeros é uma reflexão sobre a imprevisibilidade do amor: sobre o imprevisível amor consumado entre Sabina e Adolfo e entre Carmen e Jose nas duas primeiras cenas e sobre o previsível amor não consumado entre Mauro e Vanesa na cena final.
Na primeira cena Sabina espera Jean-Luc como Brel esperava Madeleine, ou Vladimir e Estragon esperavam Godot. Mas desta vez, Godot, ou Madeleine, que aqui são Jean-Luc, chegam, mas chegam irremediavelmente tarde, encontrando um improvável vendedor de bíblias – Adolfo – no seu lugar. Colocámos a cena sobre uma plataforma elevada, recuperando o fascínio da observação de um qualquer movimento ou cena observada por nós – transeuntes ou aqui espectadores – em qualquer cobertura ou terraço a partir da rua.
Uma executiva de um departamento ministerial fica fechada com um estrangeiro sem abrigo numa estação de metro. Sentados em dois bancos de madeira separados, nada faria prever o desenlace amoroso deste encontro. Mas progressivamente esta mulher vê neste homem a audácia, vitalidade, coragem e camaradagem de uma existência sem rede, que não cabia no espartilho das convenções sociais que doutrinavam a sua vida.
Uma mulher toda a vida mal amada – Vanesa, uma prostituta – recusa o amor de um segurança de um banco – Mauro – que se tornou frequentador do seu prostíbulo apenas para a ver e estar com ela. No final de uma noite, Mauro espera Maria à porta desse prostíbulo identificado com um néon vermelho para lhe declarar o seu amor e têm uma longa conversa sentados num banco com costas – os únicos dois elementos cenográficos propostos para este cena final. Naquele que seria o previsível final feliz, em particular após os anteriores improváveis finais felizes das duas cenas precedentes, a vida daquela mulher mantém-se inalterada pela aparição súbita do seu proxeneta – Ramón – que perpetua o ciclo trágico e solitário da sua existência. Existe qualquer coisa de Samuel Beckett em Murphy na forma – fórmula? – como termina este conjunto de cenas:
-“Não tendo outra alternativa, o sol brilhava sobre nada de novo”.